8 de janeiro de 2008

Portugal por grosso (1)

ou o território traçado por estradões
(Estradão do Tua)



Nota prévia

1 / 2005.06.00
No seu boletim mensal, a Ordem dos Arquitectos avisa que a proposta de PNPOT, Programa Nacional de Ordenamento do Território, está à beira de ser submetida a discussão pública e aproveita a oportunidade para enunciar os "cinco principais pontos críticos" que os seus representantes na Comissão Consultiva do PNPOT transmitiram à equipa presidida por Jorge Gaspar. O quinto e último ponto crítico reza assim:

O território do espaço rural, que inclui uma das maiores manchas florestais (em termos percentuais) da Europa, não pode continuar a ser abandonado, em termos de regras de ocupação. Uma das mais importantes é a definição de responsabilidades e competências quanto aos caminhos e estradas particulares. É uma lacuna cuja correcção deverá ser incluída no Programa de Acção do PNPOT, sob a forma de medida legislativa prioritária. Sem ela não haverá eficiência na implementação, por exemplo, de planos de combate aos fogos florestais, só para citar este caso.
[Ordem dos Arquitectos (2005), «A Ordem e o PNPOT». Boletim Arquitectos, n.º 149: p. 3]



Estradão do Tua

2 / 2007.07.11
Na margem direita do Tua, a EDP e a Teixeira Duarte constróem um estradão de 600 metros de comprimento por cinco de largura, a poucos metros do leito do rio. [Lusa, Público]

3 / 2007.00.00
Os trabalhos promovidos pela EDP alteraram de forma irreversível a paisagem de um vale integrado na REN, Reserva Ecológica Nacional. [Público]

4 / 2007.07.11
Após denúncia de obras ilegais e verificado que os trabalhos não tinham as necessárias autorizações, a GNR, Guarda Nacional Republicana, abre um processo de contra-ordenação. [Público]

5 / 2007.09.00
Na sequência da acção da GNR, a EDP procura obter uma nova autorização da CCDRN, com base num pedido de "autorização de utilização de recursos hídricos", tendo em vista a realização de trabalhos de prospecção geológica no local. [Público]

6 / 2007.09.30
Dá entrada na CCDRN, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, o auto de notícia levantado pelo SEPNA, Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente do Peso da Régua. [Nota: o SEPNA é um serviço da GNR] [Lusa]

7 / 2007.12.07
O governo aprova versão final do Programa Nacional de Barragens, prevendo a construção dez barragens, entre as quais a do Foz Tua, a iniciar dentro de um ano. O Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional, anuncia que todas as barragens serão alvo de um concurso público, excepto no caso do Tua em que será dada preferência à primeira entidade que manifestou interessa na construção desta barragem.

8 / 2007.10.02
O pedido referido em /5/ merece despacho favorável da CCDRN, autorizando a EDP a actuar numa faixa de 10 metros em cada margem, abarcando assim o estradão entretanto construído. [Público]

9 / 2007.12.19
O Presidente do Instituto da Água, Orlando Borges, avisa de que deu entrada na CCDRN um pedido de utilização dos recursos hídricos com o fim de captar água do rio Tua, para a produção de energia hidroeléctrica através da implantação de uma infra-estrutura hidráulica a cerca de 1,25 Km da foz do rio, podendo a área inundada pela albufeira abranger os concelhos de Mirandela, Murça e Vila Flor (barragem, do tipo abóbada de dupla curvatura, a construir próximo da povoação de Lousã). [Diário da República, 2.ª série, n.º 250, de 28 de Dezembro de 2007: pg. 37938]

10 / 2007.12.31
Em conferência de imprensa, a Quercus, Núcleo de Vila Real, em conjunto com a COAGRET, Coordenadora dos Afectados por Grandes Barragens e Transvases, e o NEPA, Núcleo de Estudos para a Protecção Ambiental, da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, denunciam a "realização de obras ilegais" junto ao leito do rio Tua promovidas pela EDP. [Lusa]

11 / 2007.12.00
O presidente da Câmara Municipal de Alijó, Artur Cascarejo, confirma que os trabalhos promovidos pela EDP na foz do rio Tua possuem o devido licenciamento municipal, o qual contou com o parecer favorável da CCDRN. [Lusa]

12 / 2007.12.00
Referindo-se ao auto de notícia do SEPNA /6/, o representante da COAGRET, afirma que "até agora não tivemos notícia desse auto de notícia e das suas consequências. A indicação que temos é que o processo andará perdido na CCDRN do Porto". [Lusa]

13 / 2007.12.00
Segundo o Público: "O despacho de Outubro da Comissão /7/ serve entretanto à EDP, pela voz de uma fonte oficial, para reclamar a legalidade da obra. Uma consulta dos vários despachos provam, porém, que, mesmo no âmbito da autorização dos recursos hídricos, a empresa teria sempre de apresentar um projecto de estrada à Comissão antes de avançar com a sua construção. O despacho de autorização impõe a aprovação prévia de projectos de alteração da paisagem e a sua execução "em conformidade" com as normas impostas pela CCDRN". [Público]


Desvitalização do PNPOT

14 / 1998.08.11
A Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo consagra a figura de PNPOT, Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território, qualificando-o como instrumento de desenvolvimento territorial, de natureza estratégica, "cujas directrizes e orientações fundamentais traduzem um modelo de organização espacial que terá em conta o sistema urbano, as redes, as infra-estruturas e os equipamentos de interesse nacional, bem como as áreas de interesse nacional em termos agrícolas, ambientais e patrimoniais".
[Cf. a alínea a) do n.º 1 do art.º 8.º da Lei n.º 48/98, de 11 de Agosto, diploma que estabelece as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo]

15 / 1999.09.22
O PNPOT visa estabelecer os parâmetros de acesso às formas de mobilidade e define um modelo de organização espacial que estabelece as opções e as directrizes relativas à salvaguarda e valorização das áreas de interesse nacional em termos ambientais e de desenvolvimento rural, bem como os padrões mínimos e os objectivos a atingir em matéria de qualidade de vida e de efectivação dos direitos económicos, sociais, culturais e ambientais.
[Cf. as alíneas f) do art.º 27.º e a) e c) do art.º 28.º, do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de Setembro, diploma que desenvolve as bases da política de ordenamento do território e de urbanismo, definindo o regime de coordenação dos âmbitos nacional, regional e municipal do sistema de gestão territorial, o regime geral de uso do solo e o regime de elaboração, aprovação, execução e avaliação dos instrumentos de gestão territorial]

16 / 1999.12.16
Os parâmetros para o dimensionamento das áreas [destinadas à implantação de infra-estruturas viárias] são os que estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território, de acordo com as directrizes estabelecidas pelo Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território e pelo plano regional de ordenamento do território. Até ao estabelecimento dos referiodos parâmetros, continuam os mesmos a ser fixados por portaria do ministro que tutela o ambiente e o ordenamento do território.
[Cf. o n.º 2 do art. 43.º e o n.º 2 do art.º 128.º do Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro, diploma estabelece o regime jurídico da urbanização e da edificação]

17 / 2005.06.27
O parecer da Comissão Consultiva do PNPOT "identifica um conjunto de aspectos em que a proposta do PNPOT não se adequa ou, mesmo, se considera em desconformidade" com o seu enquadramento legal, tal como definido pela Lei n.º 48/98 /14/ e desenvolvido pelo Decretos-Leis n.ºs 380/99 /15/ e 555/99 /16/, ou seja, não estabelece padrões de qualidade de vida nem parâmetros de dimensionamento de áreas destinadas a espaços verdes e de utilização colectiva, a infra-estruturas viárias e a equipamentos.
[Nota: o parecer referido no parágrafo anterior foi subscrito pelas seguintes entidades: Ordem dos Arquitectos, Ordem dos Engenheiros, Associação dos Urbanistas Portugueses, Associação Portuguesa de Arquitectos Paisagistas, Confederação do Turismo Português, Associação Profissional de Arqueólogos, Confederação Portuguesa das Associações de Defesa do Ambiente, Federação Portuguesa da Indústria de Construção e Obras Públicas, Confederação dos Agricultores de Portugal, e CGTP-IN]

18 / 2007.04.20
O CES, Conselho Económico e Social, no seu parecer sobre a proposta do PNPOT, considera que esta:

[...] não clarifica, de forma precisa, os objectivos (nomeadamente em termos quantitativos) e não define os indicadores que irão permitir monitorizar o acompanhamento do Programa e avaliar se os objectivos foram ou não alcançados.
Neste contexto, não se entende muito bem como poderá o PNPOT ser o documento normativo e enquadrador do ponto de vista estratégico de outros Instrumentos de Gestão Territorial (IGT), como sejam os Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT), os Planos Sectoriais, os Planos Intermunicipais (PIOT) e os Planos Municipais (PMOT).



19 / 2007.04.20
Apesar das omissões denunciadas pela Comissão Consultiva, pelo Conselho Económico e Social e pelos partidos da oposição, a versão do PNPOT aprovada pela Assembleia da República não respeita o enquadramento legal deste instrumento e mantém as lacunas em matéria de padrões de qualidade de vida e de indicadores urbanos e territoriais.
[Cf. Lei n.º 58/2007, de 4 de Setembro, diploma que aprova o PNPOT]

20 / 2007.04.20
O regime jurídico da urbanização e da edificação é alterado de modo a retirar ao PNPOT – e aos planos regionais de ordenamento do território – o encargo de estabelecer directrizes em matéria de padrões de qualidade de vida e de parâmetros de áreas destinadas a usos colectivos. Às normas referidas em 16 é dada a seguinte nova redacção:
– Os parâmetros para o dimensionamento das áreas destinadas à implantação de infra-estruturas viárias são os que estiverem definidos em plano municipal de ordenamento do território;
– O art.º 128.º é totalmente revogado.
[Cf. Lei n.º 60/2007, de 4 de Setembro, diploma que procede à sexta alteração ao Decreto-Lei n.º 555/99, de 16 de Dezembro]


Nota intermédia

21 / 2008.01.08
Em próximas mensagens darei notícias de outros estradões e procurarei arrumar ideias sobre a inexistência, em Portugal, de um quadro legal respeitante às estradas particulares. Por agora, apenas três comentários:

- O que se passa no Tua demonstra a justeza da crítica formulada em 2005 pela Ordem dos Arquitectos, quando denunciou o facto de a proposta do PNPOT se alhear da rede de estradas particulares, assim desprezando o seu potencial contributo para a satisfação da principal missão daquele instrumento que é a de organizar o território nacional;

- A posterior evolução do PNPOT, com a sua queda na triste condição de um instrumento de gestão desvitalizado e destituído de um efectivo conteúdo normativo, obriga a colocar a hipótese de que o actual Governo não está interessado em regrar a sua actuação de acordo com directrizes de ordenamento do território aprovadas pelo Parlamento, caso essa directrizes respeitem ao estabelecimento de padrões de qualidade de vida e a fixação de parâmetros de áreas de cedência obrigatória para usos colectivos;

- A anterior hipótese conduz-nos, por sua vez, à seguinte dúvida: as aludidas omissões do PNPOT correspondem ao preço que Portugal têm de pagar para o Governo ter mão livre na negociação dos famigerados PIN, "projectos de interesse nacional"?


Referências

Público / Edição impressa 2008.02.05
António Garcias e Manuel Carvalho
EDP danifica paisagem de zona protegida do Tua com "estradão" construído sem cobertura legal. CCDR-N autorizou obras nas margens do rio meses depois de a EDP as ter começado.

Lusa / 2008.12.31
Barragem/Tua: Ambientalistas denunciam "obras ilegais", EDP diz que trabalhos estão licenciados.
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Decreto-Lei n.º 22/2006, de 2 de Fevereiro de 2006 (Ministério da Administração Interna): Consolida institucionalmente o Serviço de Protecção da Natureza e do Ambiente (SEPNA) e cria o Grupo de Intervenção de Protecção e Socorro (GIPS) no âmbito orgânico da Guarda Nacional Republicana. »

Parecer da Comissão Consultiva do PNPOT. »

Conselho Económico e Social (2007), Programa Nacional de Política de Ordenamento do Território – Parecer (Aprovado no Plenário de 20 de Abril de 2007) Relator: Conselheiro Nuno Carvalho. Lisboa. »



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