por medidas preventivas extraordinárias
Meu Deus! A arte é longa e curta é a nossa vida.
Goethe, Fausto [»]
Serenados os ânimos, é agora possível discutir alguns aspectos de pormenor, situados à margem do magno problema da localização de um aeroporto internacional. Como é óbvio, planear, programar, e projectar um aeroporto de grandes dimensões não é tarefa de pequena monta e isso significa que, sem o concurso de uma bem delineada estratégia, estamos a lidar com um empreendimento que pode tropeçar a qualquer momento. Aparentemente, o NAL acaba de dobrar o Cabo das Tormentas, pelo que a ameaça de uma prostração repentina parece afastada, pelo menos por agora. No entanto, convém não esquecer que a sua localização se arrasta, por entre dúvidas e certezas, com altos e baixos, desde o início dos anos 60. Assim, a prudência impõe-se como palavra de ordem, tanto mais que, como fomos avisados, a deslocação aeroporto da Ota para o Campo de Tiro de Alcochete não deve ser encarada como uma decisão inabalável.
Para não complicar o nosso raciocínio e sem esquecer a anterior advertência, a presente mensagem parte do princípio que o NAL vai efectivamente ser construído no Campo de Tiro, junto à pequena povoação de Canha, no concelho de Alcochete. Se assim for, sou tentado a afirmar que, ao cabo de quarenta e cinco anos, a tecnoburocracia portuguesa não apenas demonstrou estar indisponível para debater os seus diktats, como também se revelou como uma entidade supinamente ineficiente e ineficaz. Revelou-se ineficiente porque os portugueses desembolsaram um ror de dinheiro para justificar que o NAL se afastasse uns escassos treze quilómetros e meio em relação ao local que originalmente lhe foi destinado no Plano Director da Região de Lisboa, de 1964. Revelou-se ineficaz porque os tecnoburocratas, apesar de manipularem os meios necessários e suficientes para calar as vozes recalcitrantes, não foram capazes de colocar o Governo ao abrigo de uma solução ditada pelo bom senso e gerada no seio da sociedade civil.
P
lano Director da Região de Lisboa (Anteplano, 1964), com as localizaçõsdo NAL em Rio Frio (R-F), na Ota (OTA) e no Campo de Tito de Alcochte (ALC)
Para os que desejam o aprofundamento da democracia participativa, o momentâneo desnorte de um planeamento autoritário, centralizado e críptico constitui uma excelente oportunidade para pôr a nu os abusos cometidos pelos tecnoburocratas, ainda por cima pagos à nossa custa. A tanto se propõe a presente mensagem, tomando por referência as questões suscitadas pelas medidas preventivas previstas na Lei dos Solos e pela inexistência de um preceito legal que obrigue o Estado a indemnizar os proprietários afectados por sucessivos prorrogamentos dessas mesmas medidas.
Medidas preventivas
No âmbito nacional e no caso de empreendimentos da iniciativa do Estado, o recurso a medidas preventivas encontra-se previsto na “lei dos solos” [Decreto-Lei n.º 794/76, de 5 de Novembro, que substituiu o Decreto-Lei n.º 576/70, de 24 de Novembro] [»].
Nos termos da referida lei, o Governo pode estabelecer, por decreto, que uma área que se presuma vir a ser abrangida por um projecto de empreendimento público seja sujeita a medidas preventivas, destinadas a evitar alteração das circunstâncias e condições existentes que possa comprometer a execução do empreendimento ou torná-la mais difícil ou onerosa [art. 7.º, n.º 1].
As medidas preventivas podem consistir na proibição ou na sujeição a prévia autorização, eventualmente condicionada, de diversos actos ou actividades, designadamente: (a) a criação de novos núcleos populacionais, (b) a construção, reconstrução ou ampliação de edifícios ou outras instalações, (c) a instalação de explorações ou ampliação das já existentes, (d) a alteração, por meio de aterros ou escavações, à configuração geral do terreno, (e) o derrube de árvores em maciço e (f) a destruição do solo vivo e do coberto vegetal [art. 8.º, n.º 1].
O prazo de vigência das medidas preventivas é fixado no diploma que as estabelece, até dois anos, sem prejuízo, porém, da respectiva prorrogação, quando tal se mostre necessário, por prazo não superior a um ano [art. 8.º, n.º 1].
Finalmente, e esse é o aspecto que aqui interessa discutir, a lei dos solos estabelece que a imposição das medidas preventivas não confere a qualquer indemnização [art. 11.º].
Concelhos congelados
Antes de entrar na questão da indemnização devida por medidas preventivas extrordinárias, convém tomar o pulso aos interesses fundiários e imobiliários presentes na vizinhança dos terrenos anteriormente destinados ao “aeroporto da Ota” e retratar o ânimo dos portadores desses mesmos interesses. Por banda dos municípios, retenho a parte conclusiva da moção aprovada pela Assembleia Municipal de Alenquer, em 28 de Junho de 2007, e entregue aos órgãos de soberania, com o objectivo de:
1. - Dar conhecimento ao senhor Presidente da República, à Assembleia da República e ao Governo, das apreensões que subsistem relativamente aos graves prejuízos causados à população do concelho de Alenquer, em particular os resultantes da prolongada reserva territorial de uma significativa parcela do território concelhio [destinada ao NAL], bem como das implicações na definição de uma estratégia de desenvolvimento de um concelho em processo de revisão do seu Plano Director Municipal, que a “indefinição” ora introduzida no processo vem acentuar negativamente;
2. - Manifestar aos mesmos que tudo temos suportado em prol de um projecto de interesse nacional, e mesmo europeu, alimentados pela expectativa de que o desenvolvimento a vir a ser induzido no nosso concelho pela instalação do NAL em Alenquer/Ota, venha afinal a compensar Alenquer e os alenquerenses pelos prejuízos entretanto já sofridos, bem como pelos impactos negativos próprios do funcionamento de semelhante infra-estrutura, os quais já hoje intuímos e que a seu tempo se revelarão;
3. - Não aceitar que, concluído este processo, seja qual for o seu desfecho, o concelho de Alenquer não venha a ser ressarcido dos manifestos prejuízos que estão a ser causados ao seu desenvolvimento. [»]
Para completar o leque dos órgãos de soberania, resta apenas acrescentar que, desde Setembro passado, as Câmaras Municipais de Alenquer e Azambuja, ambas dirigidas por eleitos do Partido Socialista, admitem processar o Estado no caso de o Governo optar pela construção do novo aeroporto em Alcochete, alegando que as restrições à urbanização e à construção impostas nos respectivos concelhos estão a causar prejuízos insuportáveis [»]. Aliás, o presidente de Alenquer, Álvaro Pedro, afirma abertamente que tem «aconselhado os empresários dos loteamentos a recorrer às vias judiciais», acrescentando que cerca de 600 projectos sujeitos a licenciamento municipal receberam parecer negativo devido ao NAL.
Implantação prevista para o NAL na Ota
Fonte: Comissão Local de Acompanhamento do Processo
do Novo Aeroporto de Lisboa, Freguesia do Carregado [»]
A fazer fé nos testemunhos divulgados pelos meios de comunicação social, os proprietários de imóveis sitos na Ota não estão particularmente desesperados com a fuga do NAL para Alcochete, mas exigem a reparação dos prejuízos sofridos pelo congelamento dos seus terrenos. António Varela, tido por um dos maiores proprietários, é dono de terrenos nos concelhos de Alenquer, Azambuja e Vila Franca de Xira, alguns deles sujeitos a medidas preventivas. Este empresário está à frente da Tiner, uma construtora portuguesa que se especializou nos serviços prestados a empresas logísticas (mais de 500.000 m2 de imóveis incorporados no âmbito europeu) e que opera no mercado de habitação brasileiro, onde tem em construção a Vila Atlântica, um mega-condomínio para 20.000 habitantes. Posto isto, vale a pena conhecer os pontos de vista expostos à Lusa pelo presidente da TINER:
«Sinto-me penalizado, tal como os restantes proprietários. Não sei o que o Governo pode fazer para remediar a situação, mas era preciso que algo fosse feito para compensar os prejuízos causados», salientou o empresário, engenheiro civil de formação.
Para António Varela, «os proprietários que compraram terrenos para onde estão definidos usos industriais ou outros e não puderam avançar com os seus projectos devem ser compensados, porque tudo ficou congelado».
Ao mesmo tempo, o responsável do Grupo Tiner sente-se «aliviado» por haver finalmente uma decisão e espera poder agora avançar rapidamente com os projectos que ficaram «congelados».
Entre estes incluem-se áreas comerciais (retails e outlets), centros de distribuição logística, um
lote para 34 moradias e um empreendimento turístico com golfe e hotelaria.
«Espero que se revoguem imediatamente as restrições», frisou. [»]
Vila Atlântica, São Paulo
Antevisão do condomínio (48 torres e 5.180 apartamentos)
e imagem do seu construtor, António Varela
Fonte: ISTOÉDINHEIRO [»]
O presidente da TINER acrescentou que a compensação poderia passar pela redução de taxas e impostos sobre o desenvolvimento imobiliário e a construção, tendo manifestado a esperança de poder avançar rapidamente com projectos “congelados” há uma década.
Note-se, de passagem, que as mesmas declarações, publicadas no site do Diário Económico, suscitaram oito comentários, todos eles pouco favoráveis aos pontos de vista do empresário. António Varela merece ser qualificado como «mais um ladrão analfabeto deste país que tem a mania que é esperto», uma forma elogiosa ditada pela inveja com que, entre nós, são olhados os empresários de sucesso. Mais grosso é outro comentarista que, sob o mote «apareceu um dos bichos!», dá mostras de uma incontida euforia ao ver confirmadas as suas suspeitas: «a gente sabia que eles estavam encafuados na toca, só a enxurrada os fez meter finalmente a cabeça de fora...» . Em todo caso, este eufórico contentamento é mitigado por uma dúvida existencial: «quem serão os outros???». [»]
Não vale a pena perder muito tempo com este tipo de reacções. Se aqui as cito é apenas para dar algum colorido à ideia de que o grande público encara a urbanização como um meio misterioso (a toca) e turbulento (como prever o comportamento de um bicho?), talvez favorável ao rodopio de grandes tubarões, mas por certo pouco propício à sobrevivência dos peixes-palhaço que nele se arriscam a aventurar. A platitude destes tropos facilita a sua difusão e, em última análise, criam uma atmosfera pouco favorável àqueles que, na véspera da grande decisão do Governo, pareciam estar nas melhores condições de desfrutar das primícias devidas à construção do aeroporto na Ota: os proprietários fundiários e os promotores imobiliários...
Indemnizar ou não indemnizar?
Se bem leio nas entrelinhas, a pressão de uma opinião pública pouco favorável ao pagamento de indemnizações aos proprietários aflora nas seguintes passagens da entrevista concedida pelo Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, ao semanário Expresso:
Cristina Figueiredo: Há compensações para a zona da Ota?
Mário Lino: É um problema. As populações de Alenquer, Vila Franca e Azambuja tiveram os terrenos com restrições de utilização durante 10 anos. É legítimo que se sintam defraudadas. Temos de encontrar uma forma de conseguir contributos positivos para o desenvolvimento desta zona. E estamos disponíveis para o analisar.
E os proprietários?
Não se trata de indemnizações aos proprietários. Assim que desbloquear o processo a primeira coisa que vou fazer é levantar essas medidas restritivas. [»]
O laconismo das anteriores respostas não permite captar o pensamento do ministro no que respeita às indemnizações devidas pela imposição de medidas preventivas extraordinárias. Pelos vistos, o ministro antevê a distribuição de equipamentos sociais como uma forma de promover o desenvolvimento e de contrariar o decréscimo do valor do solo devido ao esfumar do prometido aeroporto internacional. Para tanto, conta provavelmente com o Programa Operacional Temático Valorização do Território [»], uma das componentes do QREN, Quadro de Referência Estratégico Nacional, para o período 2007-2013.
O acenar de um pingue programa de equipamentos sociais talvez seja suficiente para contentar os municípios directamente afectados pela retirada do NAL. Mas, quanto aos proprietários dos terrenos? As compensações sob a forma de equipamentos não devem ser encaradas como uma forma indemnização dos proprietários, uma vez que se destinam generica e indiscriminadamente a todos os habitantes dos municípios. Ora, se as compensações não substituem as devidas indemnizações, será que estas irão ser pagas? A dúvida fica a pairar no ar, uma vez que Mário Lino apenas se compromete a fazer cessar a vigência das medidas preventivas logo que a solução Alcochete estiver em ordem de marcha.
Para adensar um pouco mais o mistério, sucede que as questões suscitadas pelas medidas preventivas, incluindo o ressarcimento dos sacrifícios devidos ao congelamento dos terrenos da Ota, não figuram nem o relatório do LNEC [»], nem os relatórios sectoriais que lhe foram anexados. Embora a distribuição territorial dos grandes equipamentos sociais e a aplicação dos mecanismos facultados pela lei dos solos constituam instrumentos essenciais da organização do território nacional, a verdade é que as referidas questões não figuram no anexo consagrado ao ordenamento do território [»]. O mesmo sucede no caso do anexo dedicado ao desenvolvimento económico e social [»]. Entretanto, no anexo em que são contabilizados custos financeiros [»] aborda-se a questão das indemnizações, mas estas referem-se essencialmente aos custos de expropriação, o que não é o aspecto que aqui nos interessa. Um dos anexos procede a uma análise custo-benfício, sem deter a sua atenção nos aspectos que aqui nos interessam [»]. Finalmente, o estudo jurídico anexado ao relatório do LNEC incide apenas sobre alguns aspectos ambientais relevantes para a localização do NAL [»], entre os quais obviamente não se inclui a questão das indemnizações.
Um planeamento paralizante
Das indemnizações devidas por medidas preventivas que se arrastaram por dez longos anos fala-se a meia voz. Mas daí não retiro a ideia de que o assunto está enredado numa cabala conspirativa. De tal forma estamos habituados à natureza paralizante do planeamento urbano que já nem notamos esse defeito. E, se todos nós estamos condenados a refrear o passo para cumprir os rituais impostos pela excelsa hierarquia que governa o nosso território, ninguém se sente especialmente escandalizado quando depara com mais um caso em que a sociedade civil é confundida e enganada por serviços públicos que, em princípio, existem para esclarecer e ajudar os cidadãos.
O despertar da consciência para esta vil condição só ocorre de tempos a tempos, quando, por oportunidade política, alguém capaz para fazer ouvir a sua voz chama a atenção para as águas estagnadas do nosso urbanismo. Apenas dois exemplos dessas ocasiões que só pecam por singulares. O primeiro situa-se nos finais dos anos 40, no momento em que arranca o progama urbanístico gizado por Duarte Pacheco. Discursando na Assembleia Nacional, o deputado Paulo Cancela de Abreu traça o seguinte panorama:
Sr. Presidente: não tive antes e não temos hoje tempo para ocupar-nos desenvolvidamente do assunto a que vou referir-me. Por isto têm de ser forçosamente resumidas as minhas considerações. Trata-se dos planos de urbanização de que já se ocupou há mais de um ano o ilustre Deputado Albano de Magalhães. [...]
As demoras na elaboração destes planos estão a retardar muitos empreendimentos em numerosos concelhos do País e a fazer esmorecer as suas energias criadoras. Cito como exemplo o distrito de Aveiro, para o qual foram mandados elaborar 15 planos de urbanização e apenas um definitivo foi entregue até à presente ocasião. E apenas 6 aguardam a planta topográfica.
De 259 planos adjudicados, apenas 27 foram aprovados e 37 estão em apreciação. Os restantes encontram-se há muito tempo em poder dos arquitectos urbanistas, e é limitado a 44 o número dos que aguardam as plantas topográficas.
Diz a informação que os técnicos são poucos e o seu trabalho muito. Por isto, os há que além das outras ocupações têm a seu cargo 10, 15 e mais planos e nada ou pouco têm feito!
Acresce que o decreto de 1944, regulador do assunto, diploma sem dúvida notável, contém exigências que a técnica recomenda, mas têm colocado as câmaras municipais em grandes apuros, nomeadamente quando se trata de responder aos questionários que ele impõe. Daí serviços do Ministério terem-se visto na necessidade de acudir em seu auxílio.
Aquelas, estas e outras apontadas pelo Sr. Ministro, a que se procura dar remédio, são as causas primeiras da demora que está prejudicando os municípios e os munícipes.
A falta dos planos de urbanização paralisou inúmeros empreendimentos locais, transacções sobre prédios, construções, etc., o que tudo está dificultando o progresso das vilas e a solução do seu problema da habitação.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - Mas não é só isto.
Na província, como em Lisboa, muitos terrenos e edifícios estão como que congelados por expropriação iminente ou resolvida que não se executa, ou sob ameaça ou receio dela, que não se efectivam. Disto resultam prejuízos incalculáveis, provenientes de como disse, não se poder construir prédios nem ampliá-los ou transformá-los, nem vender, como tantas vezes é indispensável e urgente por motivo de necessidade económica dos proprietários ou para fins de partilha inadiável, etc. E a sua desvalorização é manifesta, em consequência da incerteza do seu destino.
[Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 166, de 1 de Maio de 1948: p. 660-661]
Passados sessenta anos, a lentidão com que nascem os nossos planos urbanísticos continua a constituir motivo de queixa. No novo exemplo, a diferença em relação ao anterior reside no facto de o autor do desabafo já não é um deputado, mas sim um primeiro-ministro. Discursando na Assembleia da República, José Sócrates eulogia o Simplex, o programa que "veio questionar rorinas burocráticas instaladas", e perspectiva a sua entrada no domínio do licenciamento municipal dos trabalhos de contrução:
O Orador: — Sei bem que esta é uma tarefa sem fim, que exige continuidade e persistência — tal como sei que não podemos, nem devemos, abrandar o ritmo das mudanças de que o País precisa. É justamente por isso que trago hoje a debate, neste Parlamento, a reforma e a simplificação dos processos de licenciamento e de planeamento territorial.
Para alguns, estas palavras poderão, porventura, dizer pouco, mas não tenhamos dúvidas: a reforma do licenciamento e do planeamento é central para o dinamismo das actividades económicas, para a competitividade da nossa economia e fundamental para o desenvolvimento do País.
A reforma que o Governo vai promover assenta na revisão do regime jurídico de quatro pilares fundamentais: os instrumentos de gestão territorial; o regime da urbanização e edificação ao nível municipal; a criação de um regime jurídico especial para os projectos de importância estratégica (PIN); e, finalmente, a revisão do licenciamento das actividades económicas.
O Sr. José Junqueiro (PS): — Muito bem!
O Orador: — A situação que se vive hoje com o nosso sistema de planeamento da gestão do território, pura e simplesmente, não pode continuar.
O Sr. Alberto Martins (PS): — Muito bem!
O Orador: — Todos sabemos que a revisão de um PDM pode arrastar-se, penosamente, por mais de uma década e que um plano de urbanização ou um simples plano de pormenor podem demorar uma boa meia dúzia de anos, desde o início até à ratificação pelo Conselho de Ministros. Pelo caminho, sucedem-se — e às vezes contradizem-se — as mais diversas «entidades competentes»; multiplicam-se e sobrepõem-se os controlos administrativos; oscilam as vontades políticas e, inevitavelmente, desesperam os cidadãos e, tantas vezes, desistem das empresas.
É por isso que temos de mudar — e mudar radicalmente!!
[Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 77, de 28 de Abril de 2007: pp. 5-6]
Eufemisticamente apelidados de entidades competentes entre aspas, os burocratas que pontificam nos serviços técnicos do Estado são criticados por José Sócrates com a veemência de um líder da oposição, como se o primeiro-ministro ignorasse que o aparelho do Estado está sujeito ao poder de condução do governo a que preside. Que esta troca de papéis ocorra perante uma oposição estupefacta só abona em favor da extraordinária resiliência da tecnoburocracia portuguesa e da sua admirável capacidade em absorver os choques adversos que a vão atingindo.
O engodo das normas provisórias
Perante a actuação dos serviços públicos que tutelam — e emperram — a acção de planeamento dos municípios e actividade construtiva dos particulares, alguém menos avisado poderá sugerir que se disciplinem esses serviços, obrigando-os a cumprir normas que garantam a celeridade dos procedimentos administrativos. Ao fim e ao cabo, dirão os mais confiantes nesta receita, trata-se de seguir as pisadas da antiga medicina e a aproveitar a peçonha causadora da doença, transformando-a num fármaco com capacidades curativas.
No caso do nosso urbanismo, as tentativas de pôr em prática o anterior expediente nem sempre têm resultado. A lei bem pode determinar a aprovação de normas moderadoras da arbitrariedade dos serviços do Estado: a concretização desse comando estará sempre dependente da diligência com esses mesmos serviços conceberem as referidas normas. Ora, como é compreensível, as direcções-gerais têm uma grande dificuldade em auto-limitarem os seus poderes.
A génese das medidas preventivas previstas na lei de solos de 1970 é disso um bom exemplo. Entre os seus antecedentes figura a lei que estabeleceu as bases da elaboração e da aprovação do Plano Director do Desenvolvimento Urbanístico da Região de Lisboa, abreviadamente designado por PDRL, Plano Director da Região de Lisboa. A base V do respectivo projecto de lei, da iniciativa do Ministro das Obras Públicas, Eduardo de Arantes e Oliveira, dispunha que:
1. - Na área abrangida pelo Plano Regional de Lisboa e até à aprovação deste, carecem de prévia autorização do Ministro das Obras Públicas, ouvidas a respectiva Câmara Municipal e a Comissão do Plano Regional de Lisboa:
a) - A criação de novos núcleos populacionais e a construção, reconstrução ou ampliação de instalações industriais de 1." ou 2." classes, quando, num e noutro caso, se situem fora das zonas para esse efeito previstas nos planos de urbanização legalmente aprovados;
b) - A exploração de novas pedreiras ou a ampliação das que estejam sendo exploradas à data da presente lei e, bem assim, a execução de terraplanagens importantes de qualquer natureza susceptíveis de alterar a configuração geral do terreno e o derrube de árvores em maciço de área superior a um hectare;
2. - Fica igualmente sujeita à prévia autorização do Ministério das Obras Públicas, por intermédio da Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização e mediante parecer da respectiva Câmara Municipal, a construção de novas edificações nos aglomerados existentes, quando situadas fora dos seus perímetros actuais ou das zonas de expansão definidas nos planos de urbanização legalmente aprovados.
3. - As autorizações serão negadas sempre que se verifique que da sua concessão poderá resultar inconveniente para a execução futura do Plano Regional.
[Diário das Sessões da Assembleia Nacional, n.º 166, de 1 de Maio de 1948: p. 660-661]
Privilégios da Costa do Sol
O mesmo artigo 5.º após a discussão na Assembleia Nacional e negociação com o Ministro Duarte Pacheco:
Artigo 5.º - [Planos parciais e reserva de terrenos e edifícios]
Durante a elaboração do Plano de Urbanização e até à sua aprovação definitiva, poderá o Governo aprovar planos parciais respeitantes a vias públicas, praças, parques e campos de jogos, e determinar que sejam reservados os terrenos e construções necessários para garantir a possibilidade futura de execução do Plano.
§ 1.º — Nas construções ou terrenos reservados não poderão ser feitas, a partir da data da aprovação do Plano ou planos parciais, quaisquer obras que não representem benfeitorias absolutamente indispensáveis à sua conservação.
§ 2.º — A reserva das construções e terrenos necessários à execução do Plano não determina a sua expropriação imediata, no todo ou em parte, nem, se esta se fizer no prazo assinado no Plano, o pagamento de quaisquer indemnizações aos proprietários, a título de perdas e danos, salvo o disposto no parágrafo seguinte.
§ 3.º — Os proprietários das construções e terrenos reservados têm o direito de requerer, depois da aprovação do Plano, mas antes de findo o respectivo prazo, que sejam feitas as expropriações; neste caso, tais construções e terrenos entrarão imediatamente na posse do expropriante, que, até ao pagamento do valor da expropriação, assegurará aos expropriados, em cada ano, uma indemnização igual ao juro daquele valor, calculado pela taxa de desconto do Banco de Portugal.
§ 4.º — A reserva caducará se, no prazo de dois anos, a contar da sua data, não forem aprovados os planos relativos aos terrenos e construções que compreende.
Referências
[«] – Ach Gott! Die Kunst ist lang, und kurz ist unser Leben. Johann Wolfgang Goethe, Faust I, 558-559.[«] – Diário da Assembleia da República, 1.ª série, n.º 143, de 6 de Julho de 2006: pg. 6545.http://debates.parlamento.pt/page.aspx?cid=r3.dar
[«] – António Lemonde de Macedo & Eduarda Beja Neves, coord. (2008), Estudo para Análise Técnica Comparada das Alternativas de Localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Zona da Ota e na Zona do Campo de Tiro de Alcochete – 2ª Fase - Avaliação comparada das duas localizações. Estudo realizado para o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (Relatório 2/2008 – DT, Janeiro de 2008). Lisboa, LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Transportes. [»]
[«] – Jorge Gaspar, coord. (2007), Estudo para Análise Técnica Comparada das Alternativas de Localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Zona da Ota e na Zona do Campo de Tiro de Alcochete: Domínio de Avaliação: Ordenamento de Território (Relatório da 2.ª Fase, Dezembro de 2007). Lisboa, CEDRU. [»]
[«] – Augusto Mateus (2007), Estudo para Análise Técnica Comparada das Alternativas de Localização do Novo Aeroporto de Lisboa na Zona da Ota e na Zona do Campo de Tiro de Alcochete – Domínio de avaliação: Competitividade e Desenvolvimento Económico e Social (Relatório Final, 3 de Dezembro de 2007). Lisboa, Augusto Mateus & Associados. [»]
[«] – João Luís Duque, coord. (2007), Avaliação Financeira das Alternativas de Localização para o Novo Aeroporto de Lisboa (Dezembro de 2007). Lisboa, ISEG, Instituto Superior de Economia e Gestão. [»]
[«] – José Gomes Canotilho & Alexandra Aragão (2007), Estudo Jurídico sobre Alguns Aspectos Ambientais Relevantes para a Localização do Novo Aeroporto de Lisboa (Novembro, 2007). S/local. [»]
[«] – Gualdim Silva Carvalho (2007), Alternativa de localização do Novo Aeroporto para a região de Lisboa –Análise da Servidão Aeronáutica (Superfícies Limitativas de Obstáculos do ANEXO 14, Cap. 4) – Alcochete. Lisboa, ANA, Aeroportos de Portugal, Divisão de Regulamentação e Licenciamento Aeronáutico. [»]
[«] - Elisabete Arsénio & José Pedro Pontes (2007), Estudo de Avaliação Comparada das Alternativas de Localização para o Novo Aeroporto de Lisboa na Zona da Ota e do CTA: Análise Custo-Benefício (Relatório Final, DT/NPTS) LNEC, Dezembro, 2007). Lisboa, LNEC, Laboratório Nacional de Engenharia Civil, Departamento de Transportes, Núcleo de Planeamento, Tráfego e Segurança. [»]
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